Especialistas dão dicas para desenvolver o processo de boa adaptação diante das adversidades e não ser tão abalado por elas
Imagine a seguinte situação: você liga a televisão e se depara com imagens de um protesto nas ruas de sua cidade. Uma figura conhecida se destaca no meio da multidão fazendo seus olhos se fixarem na tela em mudo desespero. De repente surgem sons de tiros, e o corpo de um homem despenca como que em câmera lenta. Nesse instante, um terrível pavor invade seu coração, e, em meio a uma arrebatadora confusão mental, você só encontra forças para balbuciar: “Mataram meu pai!”
O episódio citado acima foi vivido pelo venezuelano Jacques Giraud Herrera, que em 2002 testemunhou pela TV o assassinato do pai durante um protesto em Caracas contra o governo de Hugo Chávez. A história serve de ponto de partida para o livro “Super-Resiliente: Transforme as Crises em Oportunidades”, que Herrera – hoje um mentor de produtividade pessoal e gestão de negócios nos Estados Unidos – está lançando nesta terça-feira (25), na capital mineira.
Em tom autobiográfico, a obra relata como Herrera encontrou forças diante de tantas calamidades que enfrentou e ainda compartilha estratégias para se construir resiliência e superar as adversidades da vida.
Mas, afinal, será mesmo possível desenvolvermos capacidade mental contra as situações difíceis da existência?
“Teremos inúmeros acontecimentos no decorrer da nossa vida que vão nos decepcionar, frustrar, ameaçar, prejudicar e desagradar. Não temos como evitar sentir dor e emoções desconfortáveis. O ser humano é frágil e vulnerável e não pode controlar o futuro, as pessoas e os acontecimentos. Por isso desenvolver resiliência e aprender a lidar com os dissabores e o sofrimento é algo crucial neste mundo”, afirma a psicóloga Renata Borja, especialista em terapia cognitivo-comportamental e mestre em relações interculturais.
Para ela, voltar nossas atenções para coisas boas a fim de neutralizar o impacto de uma desgraça ou sofrimento pode, sim, ter efeitos muito positivos.
“A questão não está somente em nos focarmos em coisas boas, mas em aprendermos a controlar as emoções que sentimos. Ficar remoendo eventos que já aconteceram e que não podem ser mudados, ou não se desligar de sentimentos desagradáveis sem criar recursos de enfrentamento, possivelmente reforçará o problema e te levará a uma maior dificuldade para superá-los”, aconselha.
A melhor tática para se dar a volta por cima é tentar converter nossos problemas em oportunidades, aponta a psicóloga.
“O ideal é mirar-se nas coisas de que temos controle, pois assim poderemos dar significado ao que nos aconteceu e achar aprendizado. Utilizar nossas emoções de forma mais funcional e assertiva, sem precisar invalidá-las, é um dos melhores recursos para vencermos nossos problemas”, explica Renata.
A médica psiquiatra Christiane Ribeiro, especialista em saúde mental da mulher e mestre em medicina molecular pela UFMG, alerta que a inabilidade de encarar as decepções da vida pode funcionar como um gatilho para comportamentos compensatórios, tais como comer em excesso, comprar compulsivamente ou fazer uso abusivo de drogas.
“Nem sempre conseguimos externalizar os sentimentos difíceis, e isso acaba gerando comportamentos compensatórios negativos, como o abuso da comida, do álcool ou das drogas. Geralmente tudo isso é feito na tentativa de aliviar nossas sobrecargas emocionais”, esclarece a especialista.
Portanto, suportar as adversidades do dia a dia escondendo as emoções pode ser um plano pouco construtivo.
“Infelizmente, ainda existe o estigma de que as pessoas que falam o que sentem são fracas. No caso dos meninos, esse estigma pode ser bem problemático. Basta lembrar-se de frases como ‘homem não chora’ ou ‘engole o choro’ para entender a força dessa conotação negativa”, detalha Christiane.
Segundo a especialista, essa supressão pode levar a sofrimentos psíquicos ou mesmo a doenças psicossomáticas – aquelas causadas ou agravadas por nossas instabilidades emocionais.
“A verdade é que esse choro engolido lá na frente pode virar uma ansiedade e até mesmo desencadear sintomas de depressão. Por isso é necessário sempre falarmos dos nossos traumas e medos para evitarmos consequências negativas”, observa.
Em muitos casos de sofrimento emocional, buscar ajuda médica pode ser um fator determinante para se dar a volta por cima.
Christiane pondera: “Nem sempre a gente consegue falar sobre temas íntimos com qualquer pessoa. Sendo assim, é muito importante encontrar acolhimento com um profissional especializado, sobretudo se o evento vivido não sair da cabeça ou acabar gerando desconforto emotivo”. “Para lidar com esses eventos traumáticos de forma mais saudável, o primeiro passo é a gente se cercar de afetos, vínculos sociais e suporte”, sugere ela.
Passo a passo da superação
Renata Borja aproveita e propõe algumas práticas que podem ser úteis na hora de lidarmos com as frustrações para não sermos tão abalados por elas. “É primordial reconhecer a realidade do seu problema e parar de brigar com a situação. Aceite a realidade”, indica.
Ela também enfatiza que precisamos deixar as dores no passado e nos concentrar exclusivamente naquilo que podemos mudar.
“Foque toda a sua atenção e energia em expectativas realistas, que estejam dentro do seu controle, como amar alguém, exercitar-se e dedicar-se à espiritualidade. Escolha sempre ações que poderão trazer sentido e significado para a sua vida”, orienta Renata, antes de concluir: “Lembre-se de que, com a visão correta, uma situação ruim pode se tornar seu grande triunfo e força. Não desista por causa das dificuldades. Mude sua perspectiva e, assim, você conseguirá superar qualquer problema”.